quinta-feira, 28 de março de 2019

O Riponga



 Valéria era o nome da garota dos meus sonhos! Ela morava no fim da rua, num sobrado verde e branco de esquina. E sempre que eu passava por lá, olhava pelo portão de ferro prata de barras que lembrava a época medieval. Olhava para ver se a via pelo jardim da frente de sua casa, mas ela quase nunca estava lá. Nós morávamos numa cidade de classe média do interior, mas no centro daquela cidade todos se equiparavam em condições financeiras, uns mais que outros. Mas nada tão contrastante. Porém, naquela Rua Monsenhor Salazar, a casa dela era a mais vistosa, pois era a maior e com árvores no entorno da casa, jardim e um pinheiro bem alto. Eu já morava numa casa simples do lado esquerdo, mais pro meio da rua, e ela pro lado direito no final do quarteirão. Mas se eu torcesse totalmente o pescoço pela janela da sala, dava pra ver a frente da casa dela, quando ela chegava e saia  pra qualquer lugar. E esse era um afazer muito importante pra mim nas horas vagas e horas vagas inventadas! 

Ela era a mais linda da rua, do bairro, da cidade e pra mim, de todo o mundo. Era o seu sorriso, sabe?! O mais brilhante e caloroso que eu já vi. Seus olhos eram ofuscantes. Brilhavam com uma vivacidade incomparável. Mas tirando seu rosto redondo e perfeito, seus cabelos longos com cascatas de ondas descendo até a cintura, e seu corpo volumoso e cheio de curvas dando-lhe uma silhueta perfeita fazia dela um exemplo de beleza feminina. Mas Valéria ainda tinha muito mais que isso. Era o que ela emanava de si mesma. E eu como um inseto buscando a luz, queria estar sempre perto dela. Isso me fazia bem. Fazia com que eu sentisse alegria, me sentisse mais confiante, seguro, tranquilo, onde tudo dá certo.

Apesar de sermos vizinhos, nunca tive coragem de chegar perto dela e puxar assunto. Apesar de frequentar a mesma escola, não me atreveria chegar com qualquer tipo de conversa  na secretária da escola, quando eu, era só um aluno do último ano do segundo grau. Ela era mais velha, descolada, inteligente, fazia representações de poesias lindas nas feiras culturais de artes e eu era só um fedelho que morava com os pais. Nunca uma mulher daquelas iria me dar qualquer atenção. Das vezes que nos falamos por motivos de documentação escolar, ela sequer olhou nos meus olhos, apesar de ter sido simpática, mas eu pareci o homem invisível. E ela sequer prestou atenção em mim de verdade.

Dez anos mais velha e com um espírito livre, eu ficava da minha janela espiando quando ela ficava  na esquina com suas amigas. Falante, risonha, cheia de ânimo, confiança e energia. Reparava que todos a sua volta, ficava ouvindo-a contar histórias, gesticular e rir. Sei que ela não tinha namorado, mas sempre tinha uns caras que paravam de carro na porta dela pra saírem. Ela adorava sair com amigos, ir a shows, barzinhos, dançar. Ah... ela adorava dançar. Às vezes eu descobria com a turma da escola onde seria a boa de sexta feira e algumas vezes, ia ao mesmo lugar que ela, só pra ficar admirando o seu jeito de ser, andar, sorrir, mexer nos cabelos...

As vezes quando a via da janela de casa, saindo pelo seu portão com roupas caseiras; short e camiseta, com uma bolsinha de moedas na mão, eu saia as pressas pra segui-la, porque sabia que ela estava indo ao mercadinho da esquina. Eu ficava vendo de longe ela caminhar pra lá e a seguia com passos bem lentos. Parava na papelaria no meio do caminho, só pra dar tempo de cruzar quando ela estivesse voltando.  Só pra sentir o perfume dos seus cabelos, do seu corpo e quem sabe receber um oi ou ter a coragem de abrir a boca de dizer; “Oi Valéria!”. Claro que pra algo sair da minha boca jamais! Mas eu ficava esperançoso de pelo menos sentir a brisa perfumada dela ao passar apressada por mim e o milagre do tão desejado “oi" dela pra mim!

E lá vinha ela com a luz solar batendo nos seus cabelos, os dando um tom mais claro. chegando até a aparecer uns fios loiros. Seus cabelos balançavam ao passo que ela caminhava. Um leve vento bateu e levaram algumas mechas pra trás. Sai da papelaria meio tenso e fui caminhando fingindo distração na mesma direção e calçada que ela. Nós iríamos nos cruzar, como tantas outras vezes. Mas será que dessa vez ela iria reparar em mim?  E ao passo que ela ficava cada vez mais perto eu reparava em cada detalhe da sua camiseta  lilás que deixava seus ombros e colo a mostra, brilhando a luz do sol, com três botões brancos do colo descendo até o decote no meio dos seios redondos, ligeiramente fartos e firmes.  Daquela distância eu podia ver com nitidez a perfeição de seus lábios contornados como um coração e carnudos, levemente rosados. Quem sabe estaria com cheiro de morangos? 

E quanto mais ela se aproximava de mim, mais meu coração batia descompensado que parecia até doer. E finalmente, faltavam alguns passos pra gente se cruzar na calçada. Era agora! Meus olhos se fixaram em seu rosto tão belo... mais belo do que de  minha princesa Leia, que a frente de Valeria, mais parecia o Chewbacca. Faltavam alguns centímetros eu acho pra gente se cruzar e eu já podia sentir seu perfume inconfundível meio doce, com toque de frescor jovial. Mas entre minha adorável vizinha e a pessoa que vós fala, tinha um senhor com bolsas de compras que esbarrou em mim e acabou caindo algumas mercadorias, já que a sacola de papel rasgou. Mas que droga! Coisas assim que só acontecem com idiotas como eu! Fiquei como um doente mental, sem saber se ajudava o senhor ou ficava parado olhando pra Valeria na esperança dela, pelo menos me olhar de volta e dizer oi, ou então, ajudar a juntar as compras do senhor atrapalhado. E ai seria uma oportunidade da gente trocar umas palavras. 

Mas ela estava tão distraída que passou direto pela situação e eu fiquei com cara de bunda, pedindo desculpas ao senhor e o ajudando com as compras. No final fui andando com o senhor Alfredo três quadras depois dali com as compras nos braços. 
Irritado, cheguei em casa e fui direto pro quarto, ouvindo os gritos da minha mãe: “ Por que perdeu a hora do almoço, moleque?! Volta aqui!” Mas tranquei a porta e liguei o toca fitas pra ouvir Man in the Box! 


“I’ m the man in the box

Buried in my shit

Won’t you come and save me

Save me”

E as semanas passam…

Apesar da educação católica e muito conservadora que Valeria recebera, ela era uma contestadora e só fazia o que achava que era o certo pra ela. Namorava muito, tinha uma fila de pretendentes e podia escolher. Era o jeito especial de ser, que atraia gente pra perto dela. Val, como as amigas chamavam, conseguia ser doce e meiga, mas ao mesmo tempo picante e arisca. Era auto suficiente, e fazia questão de que não precisasse de homem algum pra nada. Tinha seu dinheiro, seu liberdade, sua mente esfuziante, e não gostava de ser convencional. Ela gostava de desacato, de fazer o que as moças em geral não fazem no meio provinciano em que vivíamos, seja nas roupas nada convencionais ou em como não se importasse de como as senhoras do bairro pensassem de suas saídas noturnas e hora de chegada ou do número de amigos do sexo masculino que rondavam a sua casa. Ela era madura, experiente, popular, tinha um mundo a sua volta e eu era só um moleque se livrando ainda das últimas espinhas da cara. Que ganhava tão pouco em estágio que sequer daria pra pagar uma pizza se a convidasse pra sair. E eu também não fazia o estilo físico que ela gostava. Sempre que saia era com homens atléticos, altos, fortes. Em outras palavras, eu era só um esquilinho tentando pegar uma noz.  Mas de alguma forma eu não conseguia seguir adiante e me interessar por outra garota. Ela tinha algo que me dizia pra ficar perto, que algo ainda iria acontecer.

Eu devaneava em ter dinheiro, ter um carrão do ano, fazer musculação e ficar forte com um corpo que ela gostava. Ter status que a atraia. Achava que se eu tivesse dinheiro, posição e uma aparência modelo ela iria olhar e se interessar por mim. E eu estava determinado a conseguir isso. Não queria ser visto como um fedelho que mal se sustentava perto dela. Sem atitudes e confiança. Já que meu pai dizia que confiança é tudo! Eu acreditava nele.

E os meses se passaram...

Já tinha terminado o segundo grau e eu me preparava pra entrar numa faculdade pública. Mas no meio de cursinho e estudos intermináveis de física, matemática e química, vinha ai um feriadão e eu estava ansioso pra relaxar um pouco com amigos que não via há muito tempo.

Era uma noite qualquer de quinta feira, véspera do tal feriado. Estava com alguns amigos jogando conversa fora num barzinho que tocava rock; o Sukatas. Nos feriados e fins de semana sempre estava lá o cantor Fred Aquino. Ele era bom, muito conhecido na noite pelos vampiros noturnos. E entre nós, no meio das conversas sobre games, rpg e séries, vez ou outra eu lembrava que aquele era um dos bares preferidos de Valéria.

Foi quando a visão mais empolgante entrou pela porta do bar. Era ela! Senti seu perfume suave envolver o pequeno salão e ouvi seu riso. Valeria entrou com alguns amigos, entre eles, o professor de história do colégio. Aparentemente ela não estava na companhia de nenhum cara, e só se divertindo com os amigos. Ela adorava aquele cantor em particular e ele já a conhecia e a cumprimentou com um sorriso receptivo! Ela acenou e  logo que sentou, foi oferecida uma música pra ela; Every breath you take! E só podia ser piada ou aquele cuzão era um tipo de mago ou  bruxo advinho, porque era exatamente isso que passei anos fazendo com aquela mulher: “ Every breath you take, every move you make, every bond you break, every step you take, I’ll be watching  you”. E por ironia, era o que eu estava fazendo desde que ela entrou pela porta daquele bar! 

Mas talvez eu sempre tenha sido como uma pedra esperando por ela,  sem a mínima perspectiva de como ser o homem que ela esperava que eu fosse, pra enfim, poder ser chutado por ela pra eu seguir adiante.  
  
E ao ouvir a música, ela ria, aplaudia e a mesa com seus amigos começaram a fazer pedidos de músicas nos guardanapos, entregando ao garçon para repassar ao Fred. 

Enquanto isso na minha mesa, meus amigos começaram a encher meu saco pra que eu fosse até lá me apresentar, falar com ela, oferecer uma bebida. Fazer qualquer coisa, mas eu fiquei lá, como uma pedra paralisado sem saber como ser o que ela esperava. Tinha medo de errar e colocar tudo a perder, minhas chances futuras e ela me achar um idiota e nunca mais ter minha vez. Eu não estava pronto, sequer tinha carro, não me comparava aos caras que ela saia. Mais velhos, com carreiras, possivelmente morando sozinhos ou com amigos e não com os pais como eu. Que podia bancar tudo o que ela quisesse; levar pra restaurantes caros, viagens, jóias. E eu? Eu era como a música do Biquíni Cavadão; um Zé ninguém!

Mas aquela era a oportunidade, ela estava sozinha com amigos do colégio e parecia estar meio largada a sorte. Como quem aposta no que a noite pode oferecer. Fiquei dividido. Comecei a cogitar que talvez  ali fosse um começo. Mas fui tomado pelo nervosismo.  E perdido em meus pensamentos, suando as mãos que gelaram, a vi levantando e indo dançar com o professor de história. E meus amigos:

- ih olha lá... o cara acha que tem chance?

Eles começaram a tirar onda com o professor. Fábio era o nome dele. Meio estilo Hippie desde roupas à sandálias. Baixo, magro e mirrado. Tinha os cabelos pretos e lisos até os ombros. Era um cara sem qualquer presença e que com certeza não fazia o tipo dela. Além disso, era ativista, naturalista e pregava o desapego às aquisições materiais. E valeria era o oposto disso! Ambiciosa, gostava assim como eu, das coisas boas da vida, de aquisição. E ele era um professorzinho lascado qualquer. 

Mas a medida que eles continuavam a dançar, a atmosfera foi mudando. E o contato ficou mais próximo e íntimo.  Vi os olhos dela se acendendo e ele falando e falando ao ouvido dela, enquanto ela abria um sorriso doce e misterioso.

E desse sorriso, veio um beijo demorado e lento no ritmo de Hotel Califórnia. E depois carícias e abraços. E eu pasmo, olhava para aquilo incrédulo. Alias todos os meus amigos estavam incrédulos! Como aquele homenzinho que era um pouco mais baixo que ela, magro e de aparência frágil conseguiu envolver aquela mulher toda?  Valeria era alta, grande, não só em tamanho, mas em atitudes e personalidade.

Mas o professor tinha algo que seduziu a rainha dos meus sonhos. E eu acho que sei o que foi! A gentileza, o intelecto, o jeito com que ele puxava a cadeira pra ela sentar, o cuidado de segura-la ao caminharem, o jeito protetor com que ele a abraçava, a ternura e carinho que ele conseguia transmitir nesses gestos simples. E ela estava gostando de se sentir a lady, a que conseguia misturar a sensualidade de uma dança com filosofia e ainda rirem disso. E ela foi se envolvendo cada vez mais nos beijos, carinhos e abraços que ele dava.

Mas como eu sempre pensei, mesmo contrariando minha razão de largar o sonho de conquistar aquela mulher, meu instinto sempre me alertou que eu esperasse que algo estava para acontecer, e aconteceu; naquela noite e naquele lugar.

Ao voltarem à mesa, algumas porções fartas de petiscos e uma pizza estavam sendo servidas a todos da turma. E aquela altura não importasse o que acontecia a minha volta, eu não desgrudava os olhos dela e reparei seu olhar brilhando ansiosos quando viu os petiscos sendo servidos. O casal então foi sentar num canto mais isolados da grande mesa de frente um pro outro e bem próximos aconchegadamente, e ali aos dois foi servido uma porção grande de provolone a milanesa. Ela olhava com fome e um sorriso meio hipnotizado começou a se abrir de leve enquanto ela se ajeitava na cadeira para colocar o primeiro pedaço de queijo à boca. Enquanto ele apenas olhava a todos os seus atos de forma fixa, com tensão na expressão, como se ansiasse que ela comesse com prazer aquele petisco. E até eu, fiquei hipnotizado como ela reagiu a algo tão simples que era comer um tira gosto com chopp. Mas ela transmitia que não era algo simples, pelo menos pra ela, mas: especial. E com uma sensualidade a níveis que eu nunca vi uma mulher comer uma comida, ela levou o primeiro pedaço de queijo à boca e ao mastigar ela fechou os olhos e suspirou. Como quem recebe uma onda eletro magnética que percorre e envolve todo seu corpo de prazer e erotismo. Ela exalava prazer e satisfação, tal qual àquela porção de queijo empanado exalava seu aroma pelo ambiente, se misturando a perfumes baratos e o cheiro de cigarro de menta.  E eu senti algo ao ver aquela cena inexplicável que eu não sabia medir, mas gelei por dentro e meus lábios secaram.

Entretanto, era só o começo...

O professor chegava cada vez mais perto e começou a fazer carícias em suas coxas e tinha no rosto um sorriso de encantamento que não desgrudava da face.

Depois desse primeiro momento de apreciação daquela comida, talvez tentando solver os temperos e toda a essência e alma de como foi preparado o queijo e sua cobertura, até o molho rose que o acompanhava onde ela mergulhava cada pedaço antes de devora-los. Reparei que da mesma forma que Valeria apreciava com aparente paixão a comida, ele a apreciava com extremo e cativo desejo e excitação. Mas observa-la comer não era mais o suficiente. Ele tinha que participar também ofertando alguns dos pedaços de queijo, levando com sua mão meio trêmula e magra à boca dela. Seus olhos nesse momento olhavam-se diretamente e queriam dizer algo que era secreto, misterioso e incompreendido, pelo menos pra mim. No olhar de um pro outro que antecedeu o ato dele dar comida a boca dela, era de puro pacto e cumplicidade onde só os dois aparentemente, sabiam o que estava acontecendo ali. Eu não sabia, mais queria saber!

Quando ela sentiu na boca o pedaço da comida que ele a ofertou, novamente ela suspira e fecha os olhos e como se fosse levitar nesse suspiro, ela arqueava o corpo ligeiramente e quase imperceptivelmente a frente, fazendo seus seios volumosos se pronunciarem mais no decote do vestido, porém de forma tão sutil que eu acompanhava cada expressão agora não somente de sua face, mas de seu corpo inteiro.

A dança que ela fazia com o corpo, todas as vezes que ele levava a comida a sua boca, estava me provocando sensações intensas que já passavam do simples desejo de conquistar Valeria, eu queria ser aquele homem, naquele momento a todo custo, mas eu não sabia o que pensar mais, só era puro desejo, instinto irracional e vontade, mas não sabia exatamente de que. Já não mais conseguia ouvir meus amigos conversando, nem beber minha cerveja, apenas não tirava os olhos daquele fenômeno natural que estava acontecendo bem ali na minha frente.

E eu precisava urgentemente saber o que era aquilo! 

Continua...

Olá meus doces de chocolate! Cá estou de volta e começo com esse conto muito sutil ao nosso universo, mas ao mesmo tempo muito profundo pra quem conseguirá ler nas entrelinhas! 

Bjo da Vênus pra todos vcs!