sábado, 6 de abril de 2019

O Riponga - Parte 2







  ... Continua



 Quando a porção que ela comeu praticamente sozinha, alternando com goles pequenos de Chopp, estava quase no fim, ela desviou seus olhos para a barriga dela coberta com a roupa que usava, um vestido tubo preto que naquele momento, estava totalmente mais justo e repuxando o tecido pelo aumento do tamanho de sua barriga. Inusitadamente e discretamente ele passou a mão na barriga estufada dela e falou algo aos sorrisos sacanas em seu ouvido. Ambos riram como ao final de uma noite de amor.

Ela tinha a expressão leve e de alegria no rosto, nos lábios, a gordura do queijo que comera, na boca seu sabor ainda marcante, e na alma a satisfação envolvente do prazer sentido.  Pelas suas expressões faciais, tenho certeza que ela ficou tentada em terminarem a noite em outro lugar. Até que ele fez a proposta. "E se a gente terminasse essa noite tão inesperada, mais inesperadamente ainda, indo pra minha casa?".


Talvez, de longe ele foi o homem mais interessante e envolvente que há muito tempo ela não conhecia, pois ele, num jogo puramente instintivo tocou no que ela tinha de secreto e jamais dividido com ninguém. Mas ele a leu, e entendeu tudo o que se passava dentro dela como se já soubesse de prazer sexualmente que a comida provocava nela.


E com o tesão a flor da pele despertado a pouco, ela imaginou como seria o sexo com ele, queria descobrir. Ela estava envolvida, com intensa excitação, e queria mais. Porém no final das contas, não achou uma boa ideia. Eles eram colegas de trabalho, e colocou peso nisso, para uma noite apenas, não valeria a pena. Eles eram amigos e não queria que estragasse isso. Além disso, o tal professor, tinha a fama de ser conquistador.


Com toda a graça e doçura, ela negou o pedido. E disse que já estava tarde e precisava ir embora. Ela imaginou que ele fosse destrata-la, ficar frustrado ou chateado. Mas ao invés disso, ele fez algo que a cativou mais ainda. Fábio continuou os carinhos e a beijou, demonstrando total compreensão; “Me concede a penúltima dança? – Ela sorriu e perguntou por que seria a penúltima? Ele a respondeu que não poderia dizer a última, pois ainda iriam dançar e comer juntos outros vezes com toda certeza! Ela sorriu mais ainda e após passar a mão mais sedutoramente pelas curvas que sua barriga levemente pronunciada fazia, ela deu o último suspiro, talvez ainda sentindo o prazer da comida que enchera sua barriga ainda pouco e respondeu; “Claro!”.


E ao som de “Tonight’s the night”; seus corpos juntos e cúmplices de um segredo o qual, nenhum dos dois teve a iniciativa de comentar, bailaram suavemente e em perfeita sincronia sensual pela pequena e aconchegante pista de dança. Aquela noite era deles! E eu, naquele momento, talvez fosse apenas o cara que assistia a um filme intrigante, misterioso e envolvente no fundo do cinema escuro e dentro de mim, talvez a Bohemian Rhapsody fosse a luva que se encaixasse em minha odisseia por uma mulher desde o começo da adolescência, que eu desejava antes daquela noite e agora, eu sentia que não a desejava mais. Tinha visceral necessidade de tê-la pra mim, agora não pela sua personalidade, não pela sua beleza, e charme natural, mas pela estonteante fascinação que ela despertou em mim, sendo algo que eu nunca pude sentir, ver ou apreciar até aquele presente momento em qualquer outra mulher do mundo e que emanou dela tão naturalmente como resposta ao simples ato de comer naquelas circunstâncias.  Ela tinha a chave de um segredo que agora estava desvelado de dentro de mim também e eu queria, precisava, tinha urgência de saber o que ela tinha soltado de dentro de mim. E enquanto as músicas passavam simultaneamente; uma aos meus ouvidos e outra em minha mente, fazendo fundo a todos os meus pensamentos inquietantes, termina a música na pista e eles voltaram até a mesa. Depois de uma breve conversa de despedida, os outros preferiram ficar. Foi então que Valeria pagou sua parte da despesa da noite e se despediu dos amigos, mas Fábio se prontificou a leva-la. Na mesma hora ela pensou que seria pra outra tentativa de leva-la a casa dele, mas mesmo assim aceitou. Embora estivesse acostumada a andar a noite e ser independente, ela queria a companhia dele.


De braços dados, os dois caminharam pela travessa de paralelepípedo do bar e ela estava adorando aquele clima de proteção e cuidado.  E ele foi caminhando para o ponto de táxi e ela para o ponto de ônibus. Mas Fábio parou.

 - pra onde você vai?
- Meu ônibus passa naquela pista ali. Essa hora ainda dá pra pegar! Respondeu ela naturalmente. Mas Fábio franziu a testa e disse!

- Não! Que é isso! Essa hora, você pegar ônibus?! É perigoso! Vamos que eu te coloco num táxi. - E disse puxando sua mão pra direção oposta.

- Mas eu não sei se tenho dinheiro aqui comigo pro táxi. Espera! - Mas mesmo assim, Fábio a conduziu pra direção do ponto de táxis, dizendo:

- sempre que eu saio a noite eu guardo dinheiro pro táxi. É mais seguro do que ficar andando de ônibus por aí. Vem que te dou o dinheiro, se não tiver.

 – Mas ela tinha o dinheiro pro Táxi. Lembrou de uma nota extra de 50 que colocou na bolsa. Mas não era o dinheiro agora que a estava fazendo pensar. Ele chegou ao ponto e conversou com o taxista dizendo o bairro onde ela morava. Abriu a porta do carro pra ela e a beijou nos lábios levemente. E antes dela entrar ele ainda perguntou:

- Tem certeza que está com o dinheiro aí?

- sim, tenho! Fique tranquilo! - Ele sorriu e ela entrou, sentando no banco de couro confortável do táxi. E ele ainda se inclinou pra ela, e disse baixinho. Eu anotei a placa do carro. Pode ir sem preocupação e quando chegar me passa uma mensagem só pra dizer que chegou - E ao terminar de dizer isso, ele a beijou no rosto e o carro deu a partida.


Ela ainda sentia os lábios dele na bochecha fofa e rosada. E tocou onde ele beijou, abrindo um sorriso infantil. E ela se encantou com o riponga de um jeito diferente, que a abraçava e a protegia por dentro, mesmo que ela nunca tenha pedido, nem precisasse.

E foi assim , nesse momento que eu me perdi em meus objetivos. Ela sentiu um homem de verdade, guardando, zelando e protegendo uma mulher. Que nem era a dele, que nem tinha aceitado dormir com ele. Mas o que ele sentia era um dever de homem zelar por uma mulher. Guia-la contra os perigos e oferecer os braços da proteção. Acredito que ele, naquela noite no entender dela, tenha sido muito mais homem do que todos os caras cheios de dinheiro que paravam de carro em frente a sua casa, dos que pagavam a conta, dos que era atléticos de academia e os que tinham altas performances sexuais por horas a fio. Algo tão simples de se fazer, algo tão comum que qualquer um poderia fazer. Mas acho que só os que sabem ser homens para uma mulher é que tem a naturalidade de saber como ser o homem que ela esperava. E eu, idiota, colocando valor em algo que me tornaria apenas mais um dentre tantos que ela já teve, e sem saber, indo pro caminho errado. Quando ela queria algo tão simples! Será?

Mas tudo isso era apenas um aspecto de toda uma forma errada de sentir e projetar a conquista da mulher dos meus sonhos.


O que acontecera naquela noite, foi além de tudo o que eu pude experimentar sentir e fiquei anestesiado por muito tempo depois que ela foi embora do bar, bebendo sem sentir, e embriagado pela lembrança dos suspiros ao colocar a comida para dentro da boca, os seios volumosos sutilmente arcando pra frente, quase criando um canto a evocar os mais íntimos desejos. E seus olhos quase revirando ao sentir o sabor daquele alimento era um tipo de encantamento secreto e eu fui enfeitiçado. E mesmo sem entender o que somente eles pareciam saber, eu queria aquilo, queria o lugar dele e ser agente e cúmplice dela feiticeira e fazia magia ao comer. E na minha cabeça só havia espaço para um refrão:


“It’s a kind of magic
It’s kind of magic
It’s kind of magic”


E isso se repetia em minha mente desnorteada, afinal que explosão tudo aquilo provocou em mim? Mas ela tinha as respostas e eu continuava a ouvir refrães;


“This flame that burns inside of me
I'm here in secret harmonies
It's a kind of magic”…


Três dias depois, voltei sozinho ao mesmo bar que estava meio vazio e fiquei olhando pra onde eles sentaram e fui sentar no mesmo lugar. Uma espécie de mágica acontecera ali e eu não fazia ideia o que tinha sido. Era um domingo meio frio e chuvoso. Bebi até sentir meu corpo entorpecer. E voltei minha lembrança para o momento em que fiquei de longe olhando o taxi dela partir e por minutos fiquei congelado, sem pensar nada, sem sentir nada, sem nada! 


Paguei a conta e fui de novo pra esquina do ponto de taxi, onde fiquei três noites atrás, a observando. Nesse momento chovia muito que minhas roupas já estavam ensopadas e meus cabelos pingavam água gelada de chuva nos meus olhos. Mas eu fiquei ali parado. Sem nada!


Uns metros a frente tinha uma ponte para pedestres atravessarem para o outro lado. Avistei aquilo e fui andando com passos torpes, ignorando o fato de que ali era perigoso e deserto, mas talvez eu quisesse o deserto da rua, da mesma forma que estava deserto o meu peito, a minha vida de merda! Fui até lá na chuva, como se fosse algo autopunitivo por ser um fracasso total. Sentei sob a ponte e me abriguei da chuva, mas na verdade, não era da chuva que eu me abrigava, era de outra coisa! E ali, totalmente e literalmente na lama, sentei no chão e a água da chuva se misturou com lágrimas! Só o rosto dela com o outro cara estava na minha mente, mas não me fazia companhia. Pela primeira vez ela não me fazia mais companhia! Eu não tinha nada, além do abrigo daquela ponte e do silêncio! E me lembrei das palavras dessa canção:


It's hard to believe
That there's nobody out there
That I'm all alone
At least I have her love
The city she loves me
Lonely as I am
Together we cry
I don't ever want to feel
Like I did that day
Take me to the place I love
Take me all the way
I don't ever want to feel
Like I did that day
Take me to the place I love
Take me all the way
Love me I say
Under the bridge downtown
Is were I drew some blood
Under the bridge downtown
I could not get enough
Under the bridge downtown
Forgot about my love
Under the bridge downtown
I gave my life away
Here I stay ...


E finalmente o fim de semana acabou e Valeria continuou saindo algumas vezes com a turma do colégio e o professor, mas nada mais aconteceu, além daquela noite. Porém grande admiração e respeito como um homem de verdade, Fábio havia conquistado dela. Mas nem o segredo que os envolvia, nem mesmo aquilo foi suficiente para que ambos estabelecessem um relacionamento, além do profissional e de amizade. Mas acredito que ela passou a vê-lo com outros olhos, como um grande homem que sabe exercer esse papel pra uma mulher. Mas para ela, ele, além disso, sabia alimentar uma mulher! Mas escolheu deixar isso suspenso no ar do tempo e espaço e seguir sem maiores vínculos.


E os anos passam...


Anos se passaram ao ponto de eu ter minhas próprias contas pra pagar, e enfrentar filas intermináveis de banco. E era exatamente o que eu estava fazendo naquela manhã de setembro, morna e sem expectativas! 


E sem nada pra fazer além de esperar... comecei a me  lembrar daquela noite e de todo o feriado que não só foi sobre “a” mulher da minha adolescência, mas algo significativo pra minha vida e como a perspectiva sobre minha própria vida mudou depois daquilo tudo! Todavia, muitas perguntas ainda pairavam em minha mente. Por que ela não terminou a noite na cama dele? Por que com todo esse aparente segredo e
cumplicidade dos dois, eles não engataram um namoro?


Naquele fim de semana, aprendi muito sobre Valeria, mas aprendi mais ainda como deixar de ser apenas um menino cuidando da superficialidade sem saber qual o ponto pra se tocar numa mulher de verdade. E parei de querer ser um modelo de revista, mas passei a querer ser eu mesmo e deixar que o fluir dos acontecimentos fosse meu guia. Mas jamais iria me distanciar e perder o rumo para ela. Jamais queria perder estar perto dela, mesmo que silenciosamente a observar como sempre fiz. Pois se havia algo em mim oculto e entranhado as escondidas, ela tinha a chave de abrir e me dizer o que era aquilo que eu sentia ser parte de mim.  Talvez me faltasse apenas coragem! Coragem de tentar e dar o primeiro passo.

Entretanto aquela monótona e chata manhã me reservava uma grande e inesperada surpresa no banco. Vejo Valeria quase no final da fila e eu mais pro meio dela. Talvez eu tenha o cavalheirismo de convida-la pra ficar a minha frente e dai comece a deixar ela me conhecer e não querer ser algo que eu suponho que ela quer e espera, antes de deixar que ela mesma me conheça de verdade e decida do que gostar.


Talvez... 


A fila anda lentamente e cada passo em direção ao caixa, é um passo que estou perdendo a chance de tomar finalmente uma atitude. E os minutos passam tão rápido, porque meus pensamentos voam de um lado para o outro. Num instante sinto raiva de ser tão palerma. E no outro sinto fragilidade e vulnerabilidade, me sinto pequeno, tão pequeno perto daquela mulher que me atormentou a vida inteira. 


O banco tá tão cheio que todo mundo da fila está perto um do outro e por isso, ouço uma música vindo do fone de ouvido do cara a minha frente. É Like a stone! Talvez é a história da minha vida: ficar parada feito pedra esperando que essa mulher um dia chegue até mim!  Sabe aqueles momentos em que você tem raiva de si mesmo? Esse era um dos milhares deles!


E foi ai e talvez por isso que num total ato de impulso e estupidez, acenei pra ela de onde eu estava, falando alto num tom de voz totalmente insegura como uma criança: “ Valeria! Fica aqui na minha frente, vem pra cá!” E por uns instantes ela procurou de onde vinha a voz que chamara seu nome com os olhos e me achou, olhou e sorriu! Ela sorriu pra mim e eu, gelei feito um trouxa. Ela começou a caminhar na minha direção! E cada passo que ela dava, mais meu coração batia forte e eu tremia. Talvez não fosse nada do que eu sonhei desde os 12 anos de idade, mas foi assim que ela foi vindo pra mim...pra pegar um lugar melhor na fila do banco! E quem sabe tudo aconteceria a partir dali ou talvez nada! E nesses instantes, ainda veio a minha mente, ela comendo com imenso prazer pelas mãos aquele otário do professor riponga de história! Pelo menos quem sabe, essa mágica eu possa conhecer. Quem sabe? 

Vênus Willendorf


E aí, gostaram do conto? Esse é o final ! Espero que tenham se divertido!


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