sábado, 6 de abril de 2019

O Riponga - Parte 2







  ... Continua



 Quando a porção que ela comeu praticamente sozinha, alternando com goles pequenos de Chopp, estava quase no fim, ela desviou seus olhos para a barriga dela coberta com a roupa que usava, um vestido tubo preto que naquele momento, estava totalmente mais justo e repuxando o tecido pelo aumento do tamanho de sua barriga. Inusitadamente e discretamente ele passou a mão na barriga estufada dela e falou algo aos sorrisos sacanas em seu ouvido. Ambos riram como ao final de uma noite de amor.

Ela tinha a expressão leve e de alegria no rosto, nos lábios, a gordura do queijo que comera, na boca seu sabor ainda marcante, e na alma a satisfação envolvente do prazer sentido.  Pelas suas expressões faciais, tenho certeza que ela ficou tentada em terminarem a noite em outro lugar. Até que ele fez a proposta. "E se a gente terminasse essa noite tão inesperada, mais inesperadamente ainda, indo pra minha casa?".


Talvez, de longe ele foi o homem mais interessante e envolvente que há muito tempo ela não conhecia, pois ele, num jogo puramente instintivo tocou no que ela tinha de secreto e jamais dividido com ninguém. Mas ele a leu, e entendeu tudo o que se passava dentro dela como se já soubesse de prazer sexualmente que a comida provocava nela.


E com o tesão a flor da pele despertado a pouco, ela imaginou como seria o sexo com ele, queria descobrir. Ela estava envolvida, com intensa excitação, e queria mais. Porém no final das contas, não achou uma boa ideia. Eles eram colegas de trabalho, e colocou peso nisso, para uma noite apenas, não valeria a pena. Eles eram amigos e não queria que estragasse isso. Além disso, o tal professor, tinha a fama de ser conquistador.


Com toda a graça e doçura, ela negou o pedido. E disse que já estava tarde e precisava ir embora. Ela imaginou que ele fosse destrata-la, ficar frustrado ou chateado. Mas ao invés disso, ele fez algo que a cativou mais ainda. Fábio continuou os carinhos e a beijou, demonstrando total compreensão; “Me concede a penúltima dança? – Ela sorriu e perguntou por que seria a penúltima? Ele a respondeu que não poderia dizer a última, pois ainda iriam dançar e comer juntos outros vezes com toda certeza! Ela sorriu mais ainda e após passar a mão mais sedutoramente pelas curvas que sua barriga levemente pronunciada fazia, ela deu o último suspiro, talvez ainda sentindo o prazer da comida que enchera sua barriga ainda pouco e respondeu; “Claro!”.


E ao som de “Tonight’s the night”; seus corpos juntos e cúmplices de um segredo o qual, nenhum dos dois teve a iniciativa de comentar, bailaram suavemente e em perfeita sincronia sensual pela pequena e aconchegante pista de dança. Aquela noite era deles! E eu, naquele momento, talvez fosse apenas o cara que assistia a um filme intrigante, misterioso e envolvente no fundo do cinema escuro e dentro de mim, talvez a Bohemian Rhapsody fosse a luva que se encaixasse em minha odisseia por uma mulher desde o começo da adolescência, que eu desejava antes daquela noite e agora, eu sentia que não a desejava mais. Tinha visceral necessidade de tê-la pra mim, agora não pela sua personalidade, não pela sua beleza, e charme natural, mas pela estonteante fascinação que ela despertou em mim, sendo algo que eu nunca pude sentir, ver ou apreciar até aquele presente momento em qualquer outra mulher do mundo e que emanou dela tão naturalmente como resposta ao simples ato de comer naquelas circunstâncias.  Ela tinha a chave de um segredo que agora estava desvelado de dentro de mim também e eu queria, precisava, tinha urgência de saber o que ela tinha soltado de dentro de mim. E enquanto as músicas passavam simultaneamente; uma aos meus ouvidos e outra em minha mente, fazendo fundo a todos os meus pensamentos inquietantes, termina a música na pista e eles voltaram até a mesa. Depois de uma breve conversa de despedida, os outros preferiram ficar. Foi então que Valeria pagou sua parte da despesa da noite e se despediu dos amigos, mas Fábio se prontificou a leva-la. Na mesma hora ela pensou que seria pra outra tentativa de leva-la a casa dele, mas mesmo assim aceitou. Embora estivesse acostumada a andar a noite e ser independente, ela queria a companhia dele.


De braços dados, os dois caminharam pela travessa de paralelepípedo do bar e ela estava adorando aquele clima de proteção e cuidado.  E ele foi caminhando para o ponto de táxi e ela para o ponto de ônibus. Mas Fábio parou.

 - pra onde você vai?
- Meu ônibus passa naquela pista ali. Essa hora ainda dá pra pegar! Respondeu ela naturalmente. Mas Fábio franziu a testa e disse!

- Não! Que é isso! Essa hora, você pegar ônibus?! É perigoso! Vamos que eu te coloco num táxi. - E disse puxando sua mão pra direção oposta.

- Mas eu não sei se tenho dinheiro aqui comigo pro táxi. Espera! - Mas mesmo assim, Fábio a conduziu pra direção do ponto de táxis, dizendo:

- sempre que eu saio a noite eu guardo dinheiro pro táxi. É mais seguro do que ficar andando de ônibus por aí. Vem que te dou o dinheiro, se não tiver.

 – Mas ela tinha o dinheiro pro Táxi. Lembrou de uma nota extra de 50 que colocou na bolsa. Mas não era o dinheiro agora que a estava fazendo pensar. Ele chegou ao ponto e conversou com o taxista dizendo o bairro onde ela morava. Abriu a porta do carro pra ela e a beijou nos lábios levemente. E antes dela entrar ele ainda perguntou:

- Tem certeza que está com o dinheiro aí?

- sim, tenho! Fique tranquilo! - Ele sorriu e ela entrou, sentando no banco de couro confortável do táxi. E ele ainda se inclinou pra ela, e disse baixinho. Eu anotei a placa do carro. Pode ir sem preocupação e quando chegar me passa uma mensagem só pra dizer que chegou - E ao terminar de dizer isso, ele a beijou no rosto e o carro deu a partida.


Ela ainda sentia os lábios dele na bochecha fofa e rosada. E tocou onde ele beijou, abrindo um sorriso infantil. E ela se encantou com o riponga de um jeito diferente, que a abraçava e a protegia por dentro, mesmo que ela nunca tenha pedido, nem precisasse.

E foi assim , nesse momento que eu me perdi em meus objetivos. Ela sentiu um homem de verdade, guardando, zelando e protegendo uma mulher. Que nem era a dele, que nem tinha aceitado dormir com ele. Mas o que ele sentia era um dever de homem zelar por uma mulher. Guia-la contra os perigos e oferecer os braços da proteção. Acredito que ele, naquela noite no entender dela, tenha sido muito mais homem do que todos os caras cheios de dinheiro que paravam de carro em frente a sua casa, dos que pagavam a conta, dos que era atléticos de academia e os que tinham altas performances sexuais por horas a fio. Algo tão simples de se fazer, algo tão comum que qualquer um poderia fazer. Mas acho que só os que sabem ser homens para uma mulher é que tem a naturalidade de saber como ser o homem que ela esperava. E eu, idiota, colocando valor em algo que me tornaria apenas mais um dentre tantos que ela já teve, e sem saber, indo pro caminho errado. Quando ela queria algo tão simples! Será?

Mas tudo isso era apenas um aspecto de toda uma forma errada de sentir e projetar a conquista da mulher dos meus sonhos.


O que acontecera naquela noite, foi além de tudo o que eu pude experimentar sentir e fiquei anestesiado por muito tempo depois que ela foi embora do bar, bebendo sem sentir, e embriagado pela lembrança dos suspiros ao colocar a comida para dentro da boca, os seios volumosos sutilmente arcando pra frente, quase criando um canto a evocar os mais íntimos desejos. E seus olhos quase revirando ao sentir o sabor daquele alimento era um tipo de encantamento secreto e eu fui enfeitiçado. E mesmo sem entender o que somente eles pareciam saber, eu queria aquilo, queria o lugar dele e ser agente e cúmplice dela feiticeira e fazia magia ao comer. E na minha cabeça só havia espaço para um refrão:


“It’s a kind of magic
It’s kind of magic
It’s kind of magic”


E isso se repetia em minha mente desnorteada, afinal que explosão tudo aquilo provocou em mim? Mas ela tinha as respostas e eu continuava a ouvir refrães;


“This flame that burns inside of me
I'm here in secret harmonies
It's a kind of magic”…


Três dias depois, voltei sozinho ao mesmo bar que estava meio vazio e fiquei olhando pra onde eles sentaram e fui sentar no mesmo lugar. Uma espécie de mágica acontecera ali e eu não fazia ideia o que tinha sido. Era um domingo meio frio e chuvoso. Bebi até sentir meu corpo entorpecer. E voltei minha lembrança para o momento em que fiquei de longe olhando o taxi dela partir e por minutos fiquei congelado, sem pensar nada, sem sentir nada, sem nada! 


Paguei a conta e fui de novo pra esquina do ponto de taxi, onde fiquei três noites atrás, a observando. Nesse momento chovia muito que minhas roupas já estavam ensopadas e meus cabelos pingavam água gelada de chuva nos meus olhos. Mas eu fiquei ali parado. Sem nada!


Uns metros a frente tinha uma ponte para pedestres atravessarem para o outro lado. Avistei aquilo e fui andando com passos torpes, ignorando o fato de que ali era perigoso e deserto, mas talvez eu quisesse o deserto da rua, da mesma forma que estava deserto o meu peito, a minha vida de merda! Fui até lá na chuva, como se fosse algo autopunitivo por ser um fracasso total. Sentei sob a ponte e me abriguei da chuva, mas na verdade, não era da chuva que eu me abrigava, era de outra coisa! E ali, totalmente e literalmente na lama, sentei no chão e a água da chuva se misturou com lágrimas! Só o rosto dela com o outro cara estava na minha mente, mas não me fazia companhia. Pela primeira vez ela não me fazia mais companhia! Eu não tinha nada, além do abrigo daquela ponte e do silêncio! E me lembrei das palavras dessa canção:


It's hard to believe
That there's nobody out there
That I'm all alone
At least I have her love
The city she loves me
Lonely as I am
Together we cry
I don't ever want to feel
Like I did that day
Take me to the place I love
Take me all the way
I don't ever want to feel
Like I did that day
Take me to the place I love
Take me all the way
Love me I say
Under the bridge downtown
Is were I drew some blood
Under the bridge downtown
I could not get enough
Under the bridge downtown
Forgot about my love
Under the bridge downtown
I gave my life away
Here I stay ...


E finalmente o fim de semana acabou e Valeria continuou saindo algumas vezes com a turma do colégio e o professor, mas nada mais aconteceu, além daquela noite. Porém grande admiração e respeito como um homem de verdade, Fábio havia conquistado dela. Mas nem o segredo que os envolvia, nem mesmo aquilo foi suficiente para que ambos estabelecessem um relacionamento, além do profissional e de amizade. Mas acredito que ela passou a vê-lo com outros olhos, como um grande homem que sabe exercer esse papel pra uma mulher. Mas para ela, ele, além disso, sabia alimentar uma mulher! Mas escolheu deixar isso suspenso no ar do tempo e espaço e seguir sem maiores vínculos.


E os anos passam...


Anos se passaram ao ponto de eu ter minhas próprias contas pra pagar, e enfrentar filas intermináveis de banco. E era exatamente o que eu estava fazendo naquela manhã de setembro, morna e sem expectativas! 


E sem nada pra fazer além de esperar... comecei a me  lembrar daquela noite e de todo o feriado que não só foi sobre “a” mulher da minha adolescência, mas algo significativo pra minha vida e como a perspectiva sobre minha própria vida mudou depois daquilo tudo! Todavia, muitas perguntas ainda pairavam em minha mente. Por que ela não terminou a noite na cama dele? Por que com todo esse aparente segredo e
cumplicidade dos dois, eles não engataram um namoro?


Naquele fim de semana, aprendi muito sobre Valeria, mas aprendi mais ainda como deixar de ser apenas um menino cuidando da superficialidade sem saber qual o ponto pra se tocar numa mulher de verdade. E parei de querer ser um modelo de revista, mas passei a querer ser eu mesmo e deixar que o fluir dos acontecimentos fosse meu guia. Mas jamais iria me distanciar e perder o rumo para ela. Jamais queria perder estar perto dela, mesmo que silenciosamente a observar como sempre fiz. Pois se havia algo em mim oculto e entranhado as escondidas, ela tinha a chave de abrir e me dizer o que era aquilo que eu sentia ser parte de mim.  Talvez me faltasse apenas coragem! Coragem de tentar e dar o primeiro passo.

Entretanto aquela monótona e chata manhã me reservava uma grande e inesperada surpresa no banco. Vejo Valeria quase no final da fila e eu mais pro meio dela. Talvez eu tenha o cavalheirismo de convida-la pra ficar a minha frente e dai comece a deixar ela me conhecer e não querer ser algo que eu suponho que ela quer e espera, antes de deixar que ela mesma me conheça de verdade e decida do que gostar.


Talvez... 


A fila anda lentamente e cada passo em direção ao caixa, é um passo que estou perdendo a chance de tomar finalmente uma atitude. E os minutos passam tão rápido, porque meus pensamentos voam de um lado para o outro. Num instante sinto raiva de ser tão palerma. E no outro sinto fragilidade e vulnerabilidade, me sinto pequeno, tão pequeno perto daquela mulher que me atormentou a vida inteira. 


O banco tá tão cheio que todo mundo da fila está perto um do outro e por isso, ouço uma música vindo do fone de ouvido do cara a minha frente. É Like a stone! Talvez é a história da minha vida: ficar parada feito pedra esperando que essa mulher um dia chegue até mim!  Sabe aqueles momentos em que você tem raiva de si mesmo? Esse era um dos milhares deles!


E foi ai e talvez por isso que num total ato de impulso e estupidez, acenei pra ela de onde eu estava, falando alto num tom de voz totalmente insegura como uma criança: “ Valeria! Fica aqui na minha frente, vem pra cá!” E por uns instantes ela procurou de onde vinha a voz que chamara seu nome com os olhos e me achou, olhou e sorriu! Ela sorriu pra mim e eu, gelei feito um trouxa. Ela começou a caminhar na minha direção! E cada passo que ela dava, mais meu coração batia forte e eu tremia. Talvez não fosse nada do que eu sonhei desde os 12 anos de idade, mas foi assim que ela foi vindo pra mim...pra pegar um lugar melhor na fila do banco! E quem sabe tudo aconteceria a partir dali ou talvez nada! E nesses instantes, ainda veio a minha mente, ela comendo com imenso prazer pelas mãos aquele otário do professor riponga de história! Pelo menos quem sabe, essa mágica eu possa conhecer. Quem sabe? 

Vênus Willendorf


E aí, gostaram do conto? Esse é o final ! Espero que tenham se divertido!


Todos os direitos autorais reservados.  

quinta-feira, 28 de março de 2019

O Riponga



 Valéria era o nome da garota dos meus sonhos! Ela morava no fim da rua, num sobrado verde e branco de esquina. E sempre que eu passava por lá, olhava pelo portão de ferro prata de barras que lembrava a época medieval. Olhava para ver se a via pelo jardim da frente de sua casa, mas ela quase nunca estava lá. Nós morávamos numa cidade de classe média do interior, mas no centro daquela cidade todos se equiparavam em condições financeiras, uns mais que outros. Mas nada tão contrastante. Porém, naquela Rua Monsenhor Salazar, a casa dela era a mais vistosa, pois era a maior e com árvores no entorno da casa, jardim e um pinheiro bem alto. Eu já morava numa casa simples do lado esquerdo, mais pro meio da rua, e ela pro lado direito no final do quarteirão. Mas se eu torcesse totalmente o pescoço pela janela da sala, dava pra ver a frente da casa dela, quando ela chegava e saia  pra qualquer lugar. E esse era um afazer muito importante pra mim nas horas vagas e horas vagas inventadas! 

Ela era a mais linda da rua, do bairro, da cidade e pra mim, de todo o mundo. Era o seu sorriso, sabe?! O mais brilhante e caloroso que eu já vi. Seus olhos eram ofuscantes. Brilhavam com uma vivacidade incomparável. Mas tirando seu rosto redondo e perfeito, seus cabelos longos com cascatas de ondas descendo até a cintura, e seu corpo volumoso e cheio de curvas dando-lhe uma silhueta perfeita fazia dela um exemplo de beleza feminina. Mas Valéria ainda tinha muito mais que isso. Era o que ela emanava de si mesma. E eu como um inseto buscando a luz, queria estar sempre perto dela. Isso me fazia bem. Fazia com que eu sentisse alegria, me sentisse mais confiante, seguro, tranquilo, onde tudo dá certo.

Apesar de sermos vizinhos, nunca tive coragem de chegar perto dela e puxar assunto. Apesar de frequentar a mesma escola, não me atreveria chegar com qualquer tipo de conversa  na secretária da escola, quando eu, era só um aluno do último ano do segundo grau. Ela era mais velha, descolada, inteligente, fazia representações de poesias lindas nas feiras culturais de artes e eu era só um fedelho que morava com os pais. Nunca uma mulher daquelas iria me dar qualquer atenção. Das vezes que nos falamos por motivos de documentação escolar, ela sequer olhou nos meus olhos, apesar de ter sido simpática, mas eu pareci o homem invisível. E ela sequer prestou atenção em mim de verdade.

Dez anos mais velha e com um espírito livre, eu ficava da minha janela espiando quando ela ficava  na esquina com suas amigas. Falante, risonha, cheia de ânimo, confiança e energia. Reparava que todos a sua volta, ficava ouvindo-a contar histórias, gesticular e rir. Sei que ela não tinha namorado, mas sempre tinha uns caras que paravam de carro na porta dela pra saírem. Ela adorava sair com amigos, ir a shows, barzinhos, dançar. Ah... ela adorava dançar. Às vezes eu descobria com a turma da escola onde seria a boa de sexta feira e algumas vezes, ia ao mesmo lugar que ela, só pra ficar admirando o seu jeito de ser, andar, sorrir, mexer nos cabelos...

As vezes quando a via da janela de casa, saindo pelo seu portão com roupas caseiras; short e camiseta, com uma bolsinha de moedas na mão, eu saia as pressas pra segui-la, porque sabia que ela estava indo ao mercadinho da esquina. Eu ficava vendo de longe ela caminhar pra lá e a seguia com passos bem lentos. Parava na papelaria no meio do caminho, só pra dar tempo de cruzar quando ela estivesse voltando.  Só pra sentir o perfume dos seus cabelos, do seu corpo e quem sabe receber um oi ou ter a coragem de abrir a boca de dizer; “Oi Valéria!”. Claro que pra algo sair da minha boca jamais! Mas eu ficava esperançoso de pelo menos sentir a brisa perfumada dela ao passar apressada por mim e o milagre do tão desejado “oi" dela pra mim!

E lá vinha ela com a luz solar batendo nos seus cabelos, os dando um tom mais claro. chegando até a aparecer uns fios loiros. Seus cabelos balançavam ao passo que ela caminhava. Um leve vento bateu e levaram algumas mechas pra trás. Sai da papelaria meio tenso e fui caminhando fingindo distração na mesma direção e calçada que ela. Nós iríamos nos cruzar, como tantas outras vezes. Mas será que dessa vez ela iria reparar em mim?  E ao passo que ela ficava cada vez mais perto eu reparava em cada detalhe da sua camiseta  lilás que deixava seus ombros e colo a mostra, brilhando a luz do sol, com três botões brancos do colo descendo até o decote no meio dos seios redondos, ligeiramente fartos e firmes.  Daquela distância eu podia ver com nitidez a perfeição de seus lábios contornados como um coração e carnudos, levemente rosados. Quem sabe estaria com cheiro de morangos? 

E quanto mais ela se aproximava de mim, mais meu coração batia descompensado que parecia até doer. E finalmente, faltavam alguns passos pra gente se cruzar na calçada. Era agora! Meus olhos se fixaram em seu rosto tão belo... mais belo do que de  minha princesa Leia, que a frente de Valeria, mais parecia o Chewbacca. Faltavam alguns centímetros eu acho pra gente se cruzar e eu já podia sentir seu perfume inconfundível meio doce, com toque de frescor jovial. Mas entre minha adorável vizinha e a pessoa que vós fala, tinha um senhor com bolsas de compras que esbarrou em mim e acabou caindo algumas mercadorias, já que a sacola de papel rasgou. Mas que droga! Coisas assim que só acontecem com idiotas como eu! Fiquei como um doente mental, sem saber se ajudava o senhor ou ficava parado olhando pra Valeria na esperança dela, pelo menos me olhar de volta e dizer oi, ou então, ajudar a juntar as compras do senhor atrapalhado. E ai seria uma oportunidade da gente trocar umas palavras. 

Mas ela estava tão distraída que passou direto pela situação e eu fiquei com cara de bunda, pedindo desculpas ao senhor e o ajudando com as compras. No final fui andando com o senhor Alfredo três quadras depois dali com as compras nos braços. 
Irritado, cheguei em casa e fui direto pro quarto, ouvindo os gritos da minha mãe: “ Por que perdeu a hora do almoço, moleque?! Volta aqui!” Mas tranquei a porta e liguei o toca fitas pra ouvir Man in the Box! 


“I’ m the man in the box

Buried in my shit

Won’t you come and save me

Save me”

E as semanas passam…

Apesar da educação católica e muito conservadora que Valeria recebera, ela era uma contestadora e só fazia o que achava que era o certo pra ela. Namorava muito, tinha uma fila de pretendentes e podia escolher. Era o jeito especial de ser, que atraia gente pra perto dela. Val, como as amigas chamavam, conseguia ser doce e meiga, mas ao mesmo tempo picante e arisca. Era auto suficiente, e fazia questão de que não precisasse de homem algum pra nada. Tinha seu dinheiro, seu liberdade, sua mente esfuziante, e não gostava de ser convencional. Ela gostava de desacato, de fazer o que as moças em geral não fazem no meio provinciano em que vivíamos, seja nas roupas nada convencionais ou em como não se importasse de como as senhoras do bairro pensassem de suas saídas noturnas e hora de chegada ou do número de amigos do sexo masculino que rondavam a sua casa. Ela era madura, experiente, popular, tinha um mundo a sua volta e eu era só um moleque se livrando ainda das últimas espinhas da cara. Que ganhava tão pouco em estágio que sequer daria pra pagar uma pizza se a convidasse pra sair. E eu também não fazia o estilo físico que ela gostava. Sempre que saia era com homens atléticos, altos, fortes. Em outras palavras, eu era só um esquilinho tentando pegar uma noz.  Mas de alguma forma eu não conseguia seguir adiante e me interessar por outra garota. Ela tinha algo que me dizia pra ficar perto, que algo ainda iria acontecer.

Eu devaneava em ter dinheiro, ter um carrão do ano, fazer musculação e ficar forte com um corpo que ela gostava. Ter status que a atraia. Achava que se eu tivesse dinheiro, posição e uma aparência modelo ela iria olhar e se interessar por mim. E eu estava determinado a conseguir isso. Não queria ser visto como um fedelho que mal se sustentava perto dela. Sem atitudes e confiança. Já que meu pai dizia que confiança é tudo! Eu acreditava nele.

E os meses se passaram...

Já tinha terminado o segundo grau e eu me preparava pra entrar numa faculdade pública. Mas no meio de cursinho e estudos intermináveis de física, matemática e química, vinha ai um feriadão e eu estava ansioso pra relaxar um pouco com amigos que não via há muito tempo.

Era uma noite qualquer de quinta feira, véspera do tal feriado. Estava com alguns amigos jogando conversa fora num barzinho que tocava rock; o Sukatas. Nos feriados e fins de semana sempre estava lá o cantor Fred Aquino. Ele era bom, muito conhecido na noite pelos vampiros noturnos. E entre nós, no meio das conversas sobre games, rpg e séries, vez ou outra eu lembrava que aquele era um dos bares preferidos de Valéria.

Foi quando a visão mais empolgante entrou pela porta do bar. Era ela! Senti seu perfume suave envolver o pequeno salão e ouvi seu riso. Valeria entrou com alguns amigos, entre eles, o professor de história do colégio. Aparentemente ela não estava na companhia de nenhum cara, e só se divertindo com os amigos. Ela adorava aquele cantor em particular e ele já a conhecia e a cumprimentou com um sorriso receptivo! Ela acenou e  logo que sentou, foi oferecida uma música pra ela; Every breath you take! E só podia ser piada ou aquele cuzão era um tipo de mago ou  bruxo advinho, porque era exatamente isso que passei anos fazendo com aquela mulher: “ Every breath you take, every move you make, every bond you break, every step you take, I’ll be watching  you”. E por ironia, era o que eu estava fazendo desde que ela entrou pela porta daquele bar! 

Mas talvez eu sempre tenha sido como uma pedra esperando por ela,  sem a mínima perspectiva de como ser o homem que ela esperava que eu fosse, pra enfim, poder ser chutado por ela pra eu seguir adiante.  
  
E ao ouvir a música, ela ria, aplaudia e a mesa com seus amigos começaram a fazer pedidos de músicas nos guardanapos, entregando ao garçon para repassar ao Fred. 

Enquanto isso na minha mesa, meus amigos começaram a encher meu saco pra que eu fosse até lá me apresentar, falar com ela, oferecer uma bebida. Fazer qualquer coisa, mas eu fiquei lá, como uma pedra paralisado sem saber como ser o que ela esperava. Tinha medo de errar e colocar tudo a perder, minhas chances futuras e ela me achar um idiota e nunca mais ter minha vez. Eu não estava pronto, sequer tinha carro, não me comparava aos caras que ela saia. Mais velhos, com carreiras, possivelmente morando sozinhos ou com amigos e não com os pais como eu. Que podia bancar tudo o que ela quisesse; levar pra restaurantes caros, viagens, jóias. E eu? Eu era como a música do Biquíni Cavadão; um Zé ninguém!

Mas aquela era a oportunidade, ela estava sozinha com amigos do colégio e parecia estar meio largada a sorte. Como quem aposta no que a noite pode oferecer. Fiquei dividido. Comecei a cogitar que talvez  ali fosse um começo. Mas fui tomado pelo nervosismo.  E perdido em meus pensamentos, suando as mãos que gelaram, a vi levantando e indo dançar com o professor de história. E meus amigos:

- ih olha lá... o cara acha que tem chance?

Eles começaram a tirar onda com o professor. Fábio era o nome dele. Meio estilo Hippie desde roupas à sandálias. Baixo, magro e mirrado. Tinha os cabelos pretos e lisos até os ombros. Era um cara sem qualquer presença e que com certeza não fazia o tipo dela. Além disso, era ativista, naturalista e pregava o desapego às aquisições materiais. E valeria era o oposto disso! Ambiciosa, gostava assim como eu, das coisas boas da vida, de aquisição. E ele era um professorzinho lascado qualquer. 

Mas a medida que eles continuavam a dançar, a atmosfera foi mudando. E o contato ficou mais próximo e íntimo.  Vi os olhos dela se acendendo e ele falando e falando ao ouvido dela, enquanto ela abria um sorriso doce e misterioso.

E desse sorriso, veio um beijo demorado e lento no ritmo de Hotel Califórnia. E depois carícias e abraços. E eu pasmo, olhava para aquilo incrédulo. Alias todos os meus amigos estavam incrédulos! Como aquele homenzinho que era um pouco mais baixo que ela, magro e de aparência frágil conseguiu envolver aquela mulher toda?  Valeria era alta, grande, não só em tamanho, mas em atitudes e personalidade.

Mas o professor tinha algo que seduziu a rainha dos meus sonhos. E eu acho que sei o que foi! A gentileza, o intelecto, o jeito com que ele puxava a cadeira pra ela sentar, o cuidado de segura-la ao caminharem, o jeito protetor com que ele a abraçava, a ternura e carinho que ele conseguia transmitir nesses gestos simples. E ela estava gostando de se sentir a lady, a que conseguia misturar a sensualidade de uma dança com filosofia e ainda rirem disso. E ela foi se envolvendo cada vez mais nos beijos, carinhos e abraços que ele dava.

Mas como eu sempre pensei, mesmo contrariando minha razão de largar o sonho de conquistar aquela mulher, meu instinto sempre me alertou que eu esperasse que algo estava para acontecer, e aconteceu; naquela noite e naquele lugar.

Ao voltarem à mesa, algumas porções fartas de petiscos e uma pizza estavam sendo servidas a todos da turma. E aquela altura não importasse o que acontecia a minha volta, eu não desgrudava os olhos dela e reparei seu olhar brilhando ansiosos quando viu os petiscos sendo servidos. O casal então foi sentar num canto mais isolados da grande mesa de frente um pro outro e bem próximos aconchegadamente, e ali aos dois foi servido uma porção grande de provolone a milanesa. Ela olhava com fome e um sorriso meio hipnotizado começou a se abrir de leve enquanto ela se ajeitava na cadeira para colocar o primeiro pedaço de queijo à boca. Enquanto ele apenas olhava a todos os seus atos de forma fixa, com tensão na expressão, como se ansiasse que ela comesse com prazer aquele petisco. E até eu, fiquei hipnotizado como ela reagiu a algo tão simples que era comer um tira gosto com chopp. Mas ela transmitia que não era algo simples, pelo menos pra ela, mas: especial. E com uma sensualidade a níveis que eu nunca vi uma mulher comer uma comida, ela levou o primeiro pedaço de queijo à boca e ao mastigar ela fechou os olhos e suspirou. Como quem recebe uma onda eletro magnética que percorre e envolve todo seu corpo de prazer e erotismo. Ela exalava prazer e satisfação, tal qual àquela porção de queijo empanado exalava seu aroma pelo ambiente, se misturando a perfumes baratos e o cheiro de cigarro de menta.  E eu senti algo ao ver aquela cena inexplicável que eu não sabia medir, mas gelei por dentro e meus lábios secaram.

Entretanto, era só o começo...

O professor chegava cada vez mais perto e começou a fazer carícias em suas coxas e tinha no rosto um sorriso de encantamento que não desgrudava da face.

Depois desse primeiro momento de apreciação daquela comida, talvez tentando solver os temperos e toda a essência e alma de como foi preparado o queijo e sua cobertura, até o molho rose que o acompanhava onde ela mergulhava cada pedaço antes de devora-los. Reparei que da mesma forma que Valeria apreciava com aparente paixão a comida, ele a apreciava com extremo e cativo desejo e excitação. Mas observa-la comer não era mais o suficiente. Ele tinha que participar também ofertando alguns dos pedaços de queijo, levando com sua mão meio trêmula e magra à boca dela. Seus olhos nesse momento olhavam-se diretamente e queriam dizer algo que era secreto, misterioso e incompreendido, pelo menos pra mim. No olhar de um pro outro que antecedeu o ato dele dar comida a boca dela, era de puro pacto e cumplicidade onde só os dois aparentemente, sabiam o que estava acontecendo ali. Eu não sabia, mais queria saber!

Quando ela sentiu na boca o pedaço da comida que ele a ofertou, novamente ela suspira e fecha os olhos e como se fosse levitar nesse suspiro, ela arqueava o corpo ligeiramente e quase imperceptivelmente a frente, fazendo seus seios volumosos se pronunciarem mais no decote do vestido, porém de forma tão sutil que eu acompanhava cada expressão agora não somente de sua face, mas de seu corpo inteiro.

A dança que ela fazia com o corpo, todas as vezes que ele levava a comida a sua boca, estava me provocando sensações intensas que já passavam do simples desejo de conquistar Valeria, eu queria ser aquele homem, naquele momento a todo custo, mas eu não sabia o que pensar mais, só era puro desejo, instinto irracional e vontade, mas não sabia exatamente de que. Já não mais conseguia ouvir meus amigos conversando, nem beber minha cerveja, apenas não tirava os olhos daquele fenômeno natural que estava acontecendo bem ali na minha frente.

E eu precisava urgentemente saber o que era aquilo! 

Continua...

Olá meus doces de chocolate! Cá estou de volta e começo com esse conto muito sutil ao nosso universo, mas ao mesmo tempo muito profundo pra quem conseguirá ler nas entrelinhas! 

Bjo da Vênus pra todos vcs!